A brigada de incêndio é um dos pilares fundamentais da segurança contra incêndios em ambientes organizacionais, industriais e comerciais. Sua existência vai além de uma exigência legal — trata-se de uma estrutura técnica, planejada e vital para a proteção da vida, do patrimônio e do meio ambiente. No entanto, sua importância ainda é subestimada por muitos no Brasil. Este artigo tem como objetivo esclarecer o papel da brigada de incêndio, sua origem, estrutura, responsabilidades e os impactos da negligência sobre sua formação e funcionamento.
Origem e evolução das Brigadas de Incêndio
Historicamente, as primeiras iniciativas organizadas de combate ao fogo datam do Império Romano, por volta do ano 24 a.C., com a criação do Corpo de Vigiles por ordem do imperador Augusto. Essa foi a primeira brigada de incêndio formal da história, composta por escravos libertos treinados especificamente para combater incêndios urbanos em Roma.
No Brasil, a estruturação das brigadas de incêndio se iniciou no final do século XIX, influenciada pelos modelos europeus e norte-americanos. A primeira corporação de combate a incêndios brasileira foi organizada em 1856, no Rio de Janeiro, por iniciativa do imperador Dom Pedro II. Com o tempo, empresas passaram a estruturar brigadas internas para conter incidentes até a chegada do Corpo de Bombeiros.
Primeiras Brigadas Corporativas no mundo e no Brasil
A primeira brigada corporativa do mundo foi instituída pela empresa britânica Royal Insurance, no século XIX, em resposta ao elevado número de sinistros em seus segurados. No Brasil, indústrias químicas e petrolíferas como a Petrobras lideraram a organização de brigadas internas na década de 1970, diante da crescente necessidade de respostas rápidas a incidentes em áreas de risco.
Como constituir uma Brigada de Incêndio
A brigada deve ser composta com base nas normas da ABNT NBR 14276, considerando:
- Número de ocupantes;
- Risco da edificação (baixo, médio ou alto);
- Turnos de trabalho; e
- Disposição geográfica da empresa.
Critérios para seleção dos Brigadistas
Os candidatos devem possuir:
- Aptidão física e mental;
- Espírito de equipe e liderança;
- Conhecimento básico de primeiros socorros e combate ao fogo (será desenvolvido nos treinamentos); e
- Disponibilidade para atuar em emergências.
Perfis e estrutura hierárquica
A brigada deve possuir uma hierarquia clara:
- Coordenador: Responsável pela organização geral. Perfil: liderança, visão sistêmica, conhecimento técnico avançado.
- Chefe de Brigada: Supervisiona líderes e operação. Perfil: experiência, tomada de decisão rápida.
- Líder de Setor: Comanda brigadistas de área específica. Perfil: dinamismo, assertividade.
- Combatente: Atua diretamente no controle do incêndio. Perfil: agilidade, resistência física.
- Socorrista: Atua no atendimento pré-hospitalar. Perfil: conhecimento técnico e empatia.
- Resgatista: Responsável por evacuação de vítimas. Perfil: força física e técnica de transporte.
- Emergência Química: Atua em vazamentos. Perfil: formação técnica, calma sob pressão.
- Evacuação: Conduz evacuação segura. Perfil: organização, comunicação clara.
Inclusão de pessoas com deficiência
Pessoas com deficiência podem e devem integrar a brigada, respeitando suas capacidades e designando funções compatíveis, como apoio logístico, comunicação e coordenação de evacuação de pessoas com mobilidade reduzida.
Gestão eficiente da Brigada
Uma brigada eficiente exige:
- Treinamentos periódicos (mínimo anual);
- Simulados a cada 6 meses (mínimo);
- Avaliação contínua de desempenho; e
- Engajamento da liderança da empresa.
Simulados: Frequência e Participação dos Órgãos Públicos
- Comunicado aos brigadistas: em simulados de rotina.
- Não comunicar os brigadistas: simulado surpresa para avaliar tempo de resposta.
- Órgãos a serem comunicados: Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Samu, quando envolver evacuação em larga escala ou uso de vias públicas.
Limites de Atuação da Brigada
A atuação da brigada vai até a contenção inicial da emergência. Casos de grande proporção devem ser entregues às autoridades públicas. Em emergências químicas, a atuação é de contenção inicial, isolamento e comunicação ao órgão ambiental.
Legislação Nacional e Internacional
- Brasil: NR-23 (MTE), ABNT NBR 14276, Instruções Técnicas do Corpo de Bombeiros (variáveis por estado).
- Internacional: NFPA (EUA), ISO 45001 (segurança ocupacional), Diretrizes da OIT.
Infraestrutura e recursos necessários
Ambientes industriais:
- Sistema de hidrantes;
- Equipamentos de supressão de incêndio;
- Comunicação por rádio; e
- Uniformes resistentes ao fogo.
Ambientes comerciais/administração:
- Extintores acessíveis;
- Kit de primeiros socorros; e
- Equipamentos de alarme e sinalização.
EPI’s e EPC’s essenciais
- Máscaras respiratórias;
- Luvas térmicas e químicas;
- Roupas antichamas;
- Capacetes com viseira; e
- Lanternas, rádios, botas de segurança.
Treinamento da Brigada: estrutura e carga horária
- Carga mínima: 4h (baixo risco);
- Carga máxima recomendada: 24h ou mais (alto risco ou indústria);
- Conteúdos essenciais:
- Teoria e prática de combate a incêndios;
- Primeiros socorros;
- Evacuação e pânico;
- Comunicação em emergência; e
- Produtos perigosos.
Erros graves em treinamentos
- Realizar apenas treinamentos online;
- Contratar instrutores não qualificados;
- Compra de certificados sem treinamento real;
- Simulados sem planejamento; e
- Ausência de reciclagem.
Essas práticas configuram fraude e podem acarretar responsabilidade civil e criminal, tanto para a empresa quanto para o profissional que assina ou participa da simulação de cumprimento da norma.
Erros comuns na Gestão de Brigada
- Falta de treinamento contínuo;
- Escolha de coordenadores sem perfil técnico;
- Desvalorização da brigada pela alta liderança;
- Não participação ativa nos simulados; e
- Desorganização de turnos e escalas.
Obrigatoriedade e responsabilidade
O trabalhador não é obrigado a participar se não tiver aptidão. A empresa, no entanto, é obrigada a formar a brigada e deve buscar voluntários com perfil adequado. A responsabilidade da brigada e da empresa pode ser civil e criminal, especialmente se houver negligência em treinamentos ou atuação.
Por que a Brigada não é levada a sério no Brasil?
Falta de cultura prevencionista, visão de custo e não de investimento, e ausência de fiscalização eficaz contribuem para o descaso. Em países como Japão, Alemanha e Canadá, brigadistas são valorizados como parte da estrutura estratégica das organizações.
Caminhos para mudança
- Incentivar a cultura de segurança;
- Envolver a alta gestão;
- Mostrar resultados e riscos reais; e
- Estimular participação com reconhecimento e capacitação.
Importância para a sociedade
Uma brigada bem treinada pode evitar tragédias. Exemplos como o incêndio da Boate Kiss (Brasil) ou da Grenfell Tower (Reino Unido) demonstram que a presença de brigadas treinadas poderia ter minimizado os danos humanos e materiais.
A brigada de incêndio não deve ser vista como um grupo coadjuvante, mas como um dos principais atores no cenário da segurança preventiva. Sua valorização é dever da empresa, do governo e da sociedade.
Se você é empresário, gestor ou trabalhador, repense o papel da brigada de incêndio na sua organização. A prevenção começa com a valorização de quem pode salvar vidas.
Texto: Antonio Lopes dos Santos
Imagem: Inteligência Artificial – IA