Empresas são surpreendidas pela Receita Federal com a cobrança de contribuição previdenciária adicional, mesmo com o uso de EPI.
De acordo com a legislação, o uso do Equipamento de Proteção Individual (EPI) é considerado suficiente para evitar a concessão da aposentadoria especial e a obrigatoriedade de recolher a contribuição previdenciária adicional, que pode variar entre 6% e 12% sobre o salário de contribuição do trabalhador.
Recentemente, observamos que a Receita Federal tem exigido a contribuição previdenciária adicional nos casos em que o colaborador, mesmo utilizando o EPI, foi exposto a ruídos superiores a 85 decibéis. A Receita Federal baseia-se no entendimento doRecurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 664.335/SC, onde o STF decidiu que, caso o ruído ultrapasse o limite legal de 85 dB (A), o EPI não é suficiente para eliminar a insalubridade, garantindo ao segurado nesta situação o direito à aposentadoria especial.
Conforme a Receita Federal, o entendimento do STF, emitido em 04/12/2014, ampliou o benefício da aposentadoria especial, aumentando os gastos previdenciários, o que justificaria a busca por uma forma correspondente de custeio, inclusive de maneira retroativa.
Nesse contexto, a Receita Federal tem realizado fiscalizações nas empresas para verificar o nível de exposição dos trabalhadores a ruídos. Caso seja constatado que o empregado esteve exposto a ruídos acima de 85 dB (A), a Receita Federal considera devida a contribuição previdenciária adicional sobre a folha de salários, independentemente do uso adequado do EPI. No entanto, entendemos que a cobrança efetuada pela Receita Federal é completamente infundada, especialmente pelos seguintes motivos: (i) a decisão do STF não especifica como a contribuição adicional deve ser cobrada. Pelo contrário, há observações relevantes em que os Ministros ressaltam que não discutiriam o mérito sobre a forma de custeio do benefício reconhecido; e (ii) a Receita Federal não poderia realizar a cobrança de maneira retroativa. Acreditamos que o sistema previdenciário brasileiro deve buscar o equilíbrio financeiro, sendo necessária a criação de uma forma de custeio para a aposentadoria especial concedida pela exposição a ruídos acima de 85 dB (A). Contudo, a exigência da contribuição previdenciária adicional deve cumprir rigorosamente os critérios legais e temporais do sistema tributário, o que não ocorre na abordagem adotada atualmente pela Receita Federal.
Entendendo a decisão do STF
A decisão do STF, publicada em fevereiro de 2015, envolvia um trabalhador exposto a ruído que solicitou aposentadoria especial. No caso, foi apresentada como prova uma declaração do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), indicando que o trabalhador utilizava EPI eficiente, capaz de protegê-lo do agente nocivo – assim, não haveria direito à aposentadoria especial.
Ao analisar o caso, a Corte concluiu que esse documento, por si só, não seria suficiente para afastar a aposentadoria especial, deferindo a contagem de tempo especial. Além disso, estabeleceu duas teses de Repercussão Geral (tema nº 555):
I – Para concessão de aposentadoria especial, é necessária a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá suporte constitucional para a aposentadoria especial;
II – No caso de exposição a ruído acima do limite legal de tolerância (85 decibéis), a declaração do empregador, constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sobre a eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Assim, o STF afirmou de forma clara que, se o EPI for eficaz e capaz de neutralizar o agente nocivo, não cabe aposentadoria especial. No entanto, especificamente em relação ao ruído, declarou que a mera declaração do empregador sobre a eficácia dos EPIs não seria suficiente, por si só, para negar a aposentadoria especial.
Ou seja: é possível que o ruído seja neutralizado, impedindo o direito à aposentadoria especial, desde que existam outros elementos, além do PPP, que comprovem a eficácia do EPI.
A autuação da Receita Federal
A aposentadoria especial permite que o trabalhador se aposente mais cedo. Para isso, é necessário financiar essa inatividade antecipada por meio de um tributo, a contribuição adicional para o custeio da aposentadoria especial, também conhecida como GILRAT, com alíquotas de 6%, 9% ou 12% sobre o salário base.
Em 2019, interpretando e ampliando uma decisão do STF, a RFB publicou o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) nº 2/2019[1]. Esse ADI, em resumo, determina que é devido o pagamento da contribuição adicional, mesmo que sejam implementadas medidas de proteção coletivas ou individuais que neutralizem ou reduzam a exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância.
Com isso, a Receita intensificou ações contra empresas para exigir o pagamento das contribuições adicionais nos casos em que o ambiente de trabalho apresente ruído acima de 85 decibéis.
Assim, a RFB tem cobrado a alíquota adicional referente ao ruído (de 6%), resultando em cobranças – inclusive retroativas – milionárias para as empresas.
Por mais surpreendente que pareça, muitas pessoas, inclusive juízes, interpretaram de forma incorreta a decisão do STF sobre os Equipamentos de Proteção Individual e a Aposentadoria Especial. Chegou ao Supremo um processo que discutia a concessão de aposentadoria especial devido à exposição a ruídos. Com a admissão do recurso com repercussão geral, foi aberta a possibilidade de intervenção de terceiros, e nós participamos representando o Sindicato dos Metalúrgicos da Baixada Santista. Sempre defendemos que o EPI não modifica as condições ambientais do trabalho e, portanto, não pode impedir a concessão do benefício especial.
É importante destacar que apenas os EPIs relacionados a ruídos, como plugs ou conchas, estavam em debate. Com base no trabalho apresentado nos autos, o STF concluiu, por meio de análise científica, que o EPI para ruídos jamais terá eficácia plena para descaracterizar o direito do trabalhador à aposentadoria especial.
De forma bastante clara, o acórdão afirma que “tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até mesmo ao patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas”. E ainda complementa: “ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição a ruídos se relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real da eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização do EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentre os quais muitos são impossíveis de controle efetivo, tanto por parte das empresas quanto pelos trabalhadores”.
Assim, “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sobre a eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”.
Para outros agentes nocivos, o STF determina que “se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional para a aposentadoria especial”. Sempre afirmamos que não existem EPIs milagrosos que efetivamente possam “neutralizar a nocividade” do agente. Para completar o entendimento, sem que houvesse questionamento científico sobre outros EPIs, a Corte Superior conclui: “a Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa que deve nortear a Administração e o Judiciário é o reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial”.
Portanto, em relação aos ruídos, o STF decidiu que, em nenhuma hipótese, o EPI (protetor auditivo) descaracterizará o direito do trabalhador à Aposentadoria Especial. Já em relação aos outros agentes nocivos, apenas algo miraculoso poderia criar um EPI realmente capaz de neutralizar totalmente a nocividade do agente.
Observação
É essencial que o responsável pelos documentos de (SST) da empresa tenha conhecimento sobre Saúde e Segurança do Trabalho, especialmente em relação às questões previdenciárias. Embora a NR15 indique que o fornecimento do Protetor Auricular seja suficiente para eliminar a condição de atividade insalubre e, consequentemente, isentar o pagamento da alíquota de aposentadoria especial, quem administra os Programas e Laudos da empresa deve estar atento às questões previdenciárias para evitar surpresas, como no caso do Ruído acima de 85 dB(A), onde o colaborador tem direito à aposentadoria especial. Atenção: isso não está relacionado ao adicional de insalubridade (Segurança do Trabalho), mas sim à aposentadoria especial (Previdenciário) devido à exposição ao ruído, mesmo que o (Protetor Auricular) seja fornecido e cumpra as especificações técnicas. Vale ressaltar que não se discutiu a eficiência do EPI (Protetor Auricular), mas sim os hábitos humanos, como retirar o protetor auricular por alguns instantes para falar com um colega ou ouvir uma orientação; essas questões foram consideradas. O ministro Luiz Fux foi o relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 664335, do INSS, sobre o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) e a concessão do benefício de aposentadoria especial por ruído. Esse caso ocorreu em 2014 e tem gerado debates pela CNI e outras entidades patronais que não concordam. O que se sabe é que as empresas que ignoraram e/ou não estão sabendo dessa decisão estão sendo cobradas pela Receita Federal tanto pelas alíquotas atuais e retroativas.
Fonte: Jusbrasil (www.jusbrasil.com.br)
Fonte: Domingues sociedade de advogados (www.dmgsa.com.br)
Fonte: CNI | Conexão Trabalho (https://conexaotrabalho.portaldaindustria.com.br/)
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