Frigoríficos vivem realidade de pressão e exploração

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Especialistas discutem as condições precárias enfrentadas por trabalhadores, incluindo pressão psicológica e assédio moral.

setor frigorífico, uma das áreas mais críticas e desafiadoras do ponto de vista da saúde do trabalhador, tem enfrentado há décadas um alto índice de Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (Dort). Essas condições têm causado sofrimento físico significativo aos trabalhadores, impactando sua qualidade de vida e sua capacidade de trabalho. Em uma recente discussão sobre o tema, realizada no evento “Dia Internacional de Combate às LER/Dort – Frigoríficos: ontem, hoje e perspectivas”, promovido pela Fundacentro, autoridades e especialistas se reuniram para refletir sobre o passado, os desafios atuais e as perspectivas para o futuro da saúde dos trabalhadores neste setor.

Na abertura do evento, o presidente da Fundacentro, Pedro Tourinho, destaca a grave situação das condições de trabalho no Brasil, com ênfase no setor frigorífico, que apresenta elevados índices de lesões por esforços repetitivos. Ele afirma que o setor, devido à natureza repetitiva e intensiva das atividades, é um dos mais afetados, com trabalhadores expostos a condições inadequadas de ergonomia, além da pressão por produtividade e ambientes frios, o que agrava o desgaste físico e o surgimento de doenças osteomusculares.

“O desafio da subnotificação de acidentes de trabalho pode ultrapassar 80%, o que torna essencial um monitoramento mais eficaz para garantir ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis, ressalta Tourinho.

Completa que com esse enfoque, a instituição e seus parceiros reforçam a importância de uma ação conjunta, envolvendo trabalhadores, empregadores e o poder público, para combater as LER/Dort no setor frigorífico e em outros segmentos da indústria.

Leomar Daroncho, procurador do Ministério Público do Trabalho, destaca a realidade alarmante do setor de abate de animais, que inclui frigoríficos e outras unidades agroindustriais, evidenciando a gravidade das condições de trabalho nesse segmento. Em 2019, ocorreram 90 acidentes por dia útil no setor de frigoríficos, totalizando 23.320 no ano, com uma média de 16 mortes anuais entre 2016 e 2020, sendo que a subnotificação é um problema grave, com estimativas de que os acidentes sem a devida Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) sejam superiores em mais de 300%.

No entanto, ele ressalta que esses números provavelmente estão subnotificados, já que muitas doenças e acidentes graves, como cortes ou problemas de saúde, não são registrados oficialmente como acidentes de trabalho (CAT). A subnotificação é um problema sério, uma vez que muitos incidentes não são reconhecidos formalmente, prejudicando tanto os trabalhadores quanto as políticas públicas de proteção.

Avanços e desafios

A pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno, destaca o apagamento social das doenças musculoesqueléticas, como LER/Dort, que afetam trabalhadores(as) de diversos setores, especialmente os de frigoríficos, metalúrgicas, construção civil e serviços, como o telemarketing.

Segundo Maeno, apesar da crescente incidência de doenças como tendinites e lesões na coluna, há uma falta de discussão pública sobre essas condições, o que agrava o sofrimento dos trabalhadores e suas famílias. “Temos vivido um apagamento social, e por isso, decidimos realizar este evento focado nos frigoríficos”, afirma.

Maeno também aponta que, apesar da implementação da NR36 (Segurança e saúde no trabalho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados) em 2013, que visa melhorar as condições de trabalho nos frigoríficos, essas continuam inalteradas. Ela menciona que a pandemia de 2020 agravou a situação, com aumento da produção, mas também do número de acidentes de trabalho no setor, enquanto outras indústrias viram uma queda. Para ela, é essencial que o movimento sindical e os órgãos públicos, como o Ministério Público do Trabalho, continuem a vigiar as condições de trabalho e os impactos na saúde dos trabalhadores.

Já o médico do Trabalho, Roberto Ruiz, apresenta uma avaliação sobre o processo de melhoria das condições de trabalho nos frigoríficos, destacando a contribuição dos atores envolvidos na defesa dos direitos dos trabalhadores. O setor é caracterizado por uma série de riscos, como frio, umidade, calor, ruído, aglomeração, ventilação precária e ritmo acelerado de trabalho, além de perigos como quedas, amputações e vibrações. Nos últimos três anos, o risco químico, especialmente envolvendo amônia, também se intensificou, representando um novo desafio para a segurança dos trabalhadores.

“O aumento do número de acidentes com amônia, o que desencadeou intoxicação, lesões na pele, isto porque a amônia é irritante e, muitas vezes, leva a acidentes mais graves onde as pessoas apresentam pneumonite com alteração de pulmão e até o óbito”, frisa.

O médico enfatiza que a construção da Norma Regulamentadora 36 (NR-36) foi um processo longo e árduo que envolveu intensa mobilização sindical e apoio político. “Iniciado em 1997 pela CNTA e liderado por figuras como Siderlei de Oliveira, o movimento buscava garantir direitos e melhorar as condições de trabalho no setor de frigoríficos, que enfrentava riscos como frio extremo, calor, umidade, ruídos e acidentes graves. A partir de 2009, a pressão foi intensificada para transformar essa luta em uma norma formal, que finalmente foi conquistada em 2013”, esclarece.

Para ele, a NR-36 teve impacto positivo na redução de acidentes e doenças ocupacionais, como as LER/Dort, com uma diminuição de 27,5% nos três anos seguintes à sua implementação. “Contudo, os desafios continuam, especialmente com o aumento de casos após a pandemia e o retrocesso nas políticas de saúde e segurança do trabalho. A resistência contra a revisão da norma em 2021 e 2022 destacou a importância de manter e melhorar os direitos conquistados, como o controle de amônia e pausas regulares, e de avançar em aspectos ainda pendentes, como a redução da jornada de trabalho e controle sobre o ritmo de trabalho no setor”, enfatiza Ruiz.

Em sua avaliação, apesar das conquistas, a luta continua por melhorias substanciais, incluindo a redução do ritmo de trabalho e a jornada, aspectos que ainda impactam diretamente a saúde dos trabalhadores de frigoríficos.

Artur Camargo, presidente da CNTA, também compactua de que há necessidade de avanços no setor, luta unificada dos trabalhadores e conquistas na redução de acidentes e doenças ocupacionais, principalmente em relação à redução da jornada de trabalho, defendendo melhores condições para os trabalhadores(as).

O assessor Celio Elias apresenta casos de trabalhadoras que foram demitidas por justa causa após tentar escapar do intenso frio na fábrica. A medida, para elas, visava intimidar os demais trabalhadores(as), que também sofriam com as condições de trabalho precárias.

“Além dos problemas causados pelo frio, uma das trabalhadoras desenvolveu sérias lesões no braço, como o dedo em gatilho, decorrentes das condições adversas na fábrica. O braço, que começou a atrofiar e apresentar sinais de apodrecimento, necessitou de tratamento com morfina, e, após a intervenção de um procurador do Trabalho, foi realizada uma amputação. Desde 2004, a situação de adoecimento dos trabalhadores, em especial as dores nos braços e ombros, tem sido uma preocupação crescente, levando a uma articulação nacional para buscar melhores condições de trabalho e o reconhecimento de seus direitos”, salienta.

O procurador Leomar Daroncho critica a falta de fiscalização nas grandes unidades de frigoríficos, especialmente nas regiões de Mato Grosso, Goiás e Paraná, onde a maioria das grandes empresas está localizada. A fiscalização, segundo ele, tem sido insuficiente, com mais operações realizadas em frigoríficos menores, o que não aborda adequadamente os locais onde os maiores riscos e a maior quantidade de trabalhadores(as) estão concentrados(as).

Leomar também aponta a falha de equipamentos de proteção, como luvas térmicas, que são inadequadas para proteger os trabalhadores das condições extremas de frio, levando-os a adotar medidas improvisadas, como o uso de três luvas, para suportar a situação. “Essa falta de medidas efetivas e o ritmo de trabalho extenuante contribuem para um alto índice de acidentes e doenças no setor”, salienta.

Olhar ergonômico

A pesquisadora da Fundacentro, Thaís Helena Barreira, discute como as exigências no trabalho afetam tanto a parte física quanto a mental, destacando a importância de condições e recursos adequados para a segurança e eficácia. Ela destaca que a ergonomia deve considerar posturas, movimentos, ângulos de trabalho e fatores biomecânicos.

Barreira alerta sobre o impacto de uma organização inadequada do trabalho, que pode levar ao adoecimento dos trabalhadores. Defende que além dos fatores biomecânicos, é necessário analisar aspectos organizacionais para entender os riscos.

“Apesar das normas como a NR17 e NR36, ainda existem desafios para garantir a proteção eficaz da saúde dos trabalhadores”, destaca.

Thaís destaca que o documentário Carne e Osso mostra o isolamento dos trabalhadores, que se sentem culpados por não suportarem a pressão do trabalho, e a necessidade de uma escuta ativa para que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas. Ela critica um sistema que ignora sinais de cansaço e sofrimento, culpabilizando os profissionais em vez de reconhecer as condições de trabalho.

O relato também aborda o aumento da produção imposto pelos empregadores, que leva os trabalhadores a ultrapassarem seus limites físicos e psicológicos. Apesar da existência de regulamentações como a NR17 – Ergonomia, que prevê a adaptação do trabalho às características humanas, ainda há uma grande falha na proteção efetiva dos trabalhadores.

A reflexão da pesquisadora chama atenção para o equilíbrio entre a produtividade e a saúde dos trabalhadores, e como a sobrecarga física e psicológica pode levar a sérios problemas de saúde, se não forem levados em conta os limites humanos. O texto também fala sobre a importância de observar indicadores como adoecimento e absenteísmo, que muitas vezes revelam a sobrecarga imposta pelos modelos de gestão de trabalho.

Debate final

Os especialistas destacam que a saúde dos trabalhadores de frigoríficos e as severas condições enfrentadas por esses profissionais no país foram amplamente debatidas durante o evento.  Os relatos incluem o sentimento de pressão psicológica intensa, levando muitas trabalhadoras a se sentirem forçadas a pedir demissão devido às condições impostas pelas empresas, que, ao invés de demitirem diretamente, induzem a(o) funcionária(o) a fazer essa escolha.  

Além disso, a relação entre assédio moral e doenças ocupacionais, como LER/Dort, foi abordada, destacando a pressão para manter a assiduidade, com prêmios por não faltar ao trabalho, que levam os trabalhadores a ignorar dores e problemas de saúde para não perderem o bônus.

Casos extremos, como gestantes que continuam a trabalhar em risco de saúde e o uso de analgésicos para mascarar dores, também foram mencionados. As discussões evidenciaram a exploração e as táticas de controle, que impactam diretamente o bem-estar dos trabalhadores e das trabalhadoras, refletindo uma realidade de rígida exploração e vulnerabilidade.

Fonte: Fundacentro.gov.br

Texto: Débora Maria Santos

Fotos: Imagem pública