A relação entre o homem e a máquina sempre esteve marcada por avanços tecnológicos, mas também por riscos. Desde a Revolução Industrial, equipamentos como prensas, tornos, laminadores e injetoras trouxeram ganhos de produtividade, porém, ao mesmo tempo, expuseram trabalhadores a mutilações, amputações e até mortes. No Brasil e no mundo, a preocupação com a proteção de máquinas começou a ganhar força a partir do século XX, principalmente após acidentes de grandes proporções que evidenciaram a necessidade de normas específicas para prevenir riscos mecânicos.
No Brasil, a Norma Regulamentadora nº 12 (NR-12) é o principal instrumento que estabelece diretrizes para a segurança no trabalho em máquinas e equipamentos. Entre suas exigências, está a elaboração do Inventário de Máquinas e Equipamentos, documento fundamental para mapear, avaliar e propor medidas de proteção.
Por que o inventário de máquinas?
O inventário é essencial porque:
- Organiza e identifica todas as máquinas e equipamentos da empresa;
- Permite avaliar condições de segurança de cada máquina;
- Facilita o planejamento de adequações às normas legais;
- Subsidia a elaboração do Programa de Prevenção de Riscos em Máquinas e Equipamentos (PPRME/PPRPS);
- Garante maior controle sobre riscos mecânicos e promove a preservação da vida.
O objetivo central é reduzir acidentes, atender à legislação e criar um ambiente de trabalho mais seguro, produtivo e sustentável.
Linha do tempo da proteção de máquinas
- Século XVIII – Revolução Industrial (Inglaterra): início da mecanização em larga escala e aumento dos acidentes de trabalho.
- Século XIX – Europa e EUA: surgimento das primeiras leis trabalhistas, incluindo normas sobre operação de máquinas.
- Década de 1940 – Brasil: industrialização acelerada, mas ainda sem regulamentações específicas de proteção.
- Década de 1970: criação da CLT e, posteriormente, da Portaria 3.214/78, que estabeleceu as Normas Regulamentadoras.
- 2010 em diante: atualização da NR-12, tornando obrigatório o inventário de máquinas como ferramenta de gestão de riscos.
O motivo da criação desse programa foi a alta taxa de acidentes graves e fatais envolvendo máquinas, especialmente mutilações em prensas, serras, injetoras e outros equipamentos sem proteção.
Normas e leis aplicáveis
- Brasil:
- NR-12 (Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos);
- CLT – Consolidação das Leis do Trabalho;
- Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho;
- Normas ABNT, como a NBR ISO 12100 (Segurança de Máquinas – Princípios Gerais).
- Internacionais:
- ISO 12100 – Segurança de máquinas;
- ISO 13849 – Sistemas de comando relacionados à segurança;
- Diretiva Europeia 2006/42/CE – Segurança de Máquinas.
Obrigatoriedade no Brasil:
A obrigatoriedade do inventário de máquinas foi consolidada com a atualização da NR-12 em 2010, por meio da Portaria SIT nº 197. O órgão responsável foi o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A exigência surgiu pela necessidade de reduzir os altos índices de acidentes em ambientes industriais.
Como é feito o inventário de máquinas e equipamentos
Passo a passo:
- Identificação da máquina (nome, modelo, fabricante, nº de série, ano de fabricação);
- Localização física dentro da empresa;
- Descrição da função da máquina;
- Levantamento dos riscos existentes (mecânicos, elétricos, ergonômicos etc.);
- Avaliação do atendimento à NR-12;
- Registro fotográfico;
- Classificação da criticidade da máquina;
- Definição de medidas corretivas e prazos de adequação.
Exemplo: um profissional especializado pode levar entre 4 a 8 horas para realizar o diagnóstico completo de uma prensa mecânica, dependendo da complexidade.
Profissionais aptos:
- Engenheiros de Segurança do Trabalho;
- Técnicos de Segurança do Trabalho experientes;
- Engenheiros Mecânicos e Elétricos capacitados em segurança de máquinas.
Acidentes envolvendo máquinas
- Mundo: segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 120 milhões de acidentes de trabalho/ano envolvem máquinas, sendo milhões deles graves ou fatais.
- Brasil: dados da Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) apontam que, em média, 30% dos acidentes graves estão relacionados a máquinas e equipamentos.
- Estima-se que, a cada ano, milhares de trabalhadores sofrem amputações causadas por prensas, serras e injetoras.
Benefícios do inventário
Para empresas:
- Redução de acidentes e afastamentos;
- Conformidade legal, evitando multas e processos;
- Maior produtividade e confiabilidade das operações;
- Valorização da imagem institucional.
Para trabalhadores:
- Menor exposição ao risco de acidentes;
- Mais confiança na execução das atividades;
- Treinamentos e capacitação contínua.
Exemplo: uma prensa equipada com sensores de presença, enclausuramento e botoeiras bimanuais reduz quase a zero o risco de amputação.
Resistências das empresas
Muitas empresas ainda resistem alegando alto custo de adequação, tempo de parada de produção e burocracia. Porém, não realizar o inventário expõe a organização a riscos legais e financeiros, além de colocar vidas em perigo.
Penalidades por não implantar
- Trabalhista: multas, autuações e ações judiciais por danos morais e materiais;
- Civil: indenizações a trabalhadores e familiares;
- Previdenciária: ações regressivas do INSS;
- Criminal: o gestor pode responder por homicídio culposo em caso de morte de funcionário em máquina irregular.
Dicas de um inventário bem-feito
- Levantar todas as máquinas, inclusive as de pequeno porte;
- Utilizar checklists alinhados à NR-12;
- Não omitir riscos identificados;
- Registrar fotos e descritivos claros;
- Validar com engenheiro de segurança habilitado.
Erros comuns:
- Inventários superficiais;
- Copiar modelos prontos sem avaliação real;
- Falta de atualização;
- Não considerar EPCs e EPIs no relatório.
Exemplos de máquinas
Adequadas:
- Prensa com enclausuramento fixo e cortina de luz;
- Serra circular com coletor de pó e protetor de lâmina;
- Injetora com grade de proteção intertravada;
- Tornos com proteção de placa e carenagem;
- Esteira transportadora com botão de emergência a cada 3 metros.
Não adequadas:
- Prensa sem botão de emergência;
- Serra sem proteção na lâmina;
- Injetora com porta aberta durante operação;
- Tornos sem protetor de cavaco;
- Máquinas improvisadas sem projeto de segurança.
Treinamentos e programas necessários
- Treinamento de Segurança em Máquinas (NR-12);
- APR – Análise Preliminar de Risco;
- Permissão de Trabalho (PT);
- Programa de Bloqueio e Etiquetagem (LOTO).
EPCs (Exemplos):
- Cortinas de luz;
- Enclausuramentos;
- Grades móveis com intertravamento;
- Dispositivos de parada de emergência.
EPIs (Operador de Prensa):
- Óculos de proteção;
- Protetor auricular;
- Luvas resistentes a cortes;
- Calçados de segurança;
- Avental de raspa em operações específicas.
Exames médicos: audiometria, acuidade visual, exames clínicos e ergonômicos.
Conclusão
O inventário de máquinas e equipamentos é mais do que uma obrigação legal: é uma ferramenta estratégica de proteção à vida. Ele garante que empresas estejam em conformidade, que trabalhadores tenham segurança e que a sociedade se beneficie de um ambiente de trabalho mais saudável.
Resistir à sua implantação é fechar os olhos para a realidade: máquinas desprotegidas mutilam, incapacitam e matam. Já investir em inventários bem elaborados, treinamentos e adequações promove não apenas a preservação da vida, mas também ganhos de produtividade, credibilidade e sustentabilidade para os negócios.
Texto: Antonio Santos
Imagem: Feita por IA